Mais um pouco de niilismo

Confortavelmente insolente e ociosa, dizem as más línguas. Não obstante, não me grafam tais acepções. Vítima? Não, nunca me senti uma vítima... vítimas são as pessoas escravas do dinheiro, da ganância e da arrogância; vítimas são aqueles que tem a necessidade de, o tempo todo, provar ao mundo de que são melhores; é assim que concebi o vitimismo. Sofrer é consequência de se estar vivo e nada mais, não há nada de tão glorioso ou tão repugnante no sofrimento. Sou na verdade uma niilista incorrigível, uma grande defensora do nada. Como é bom pensar no nada, ah, como é bom pensar no desaparecimento completo de toda essa imundície. Isso me torna mais feliz, uma pessoa melhor. Como tudo isso não me faz sentido! Contrasenso, ilógico, tudo é tão profundamente superficial. Os olhares, as intrigas, as disputas, tão improfícuas... A maldade do homem... Sempre refleti sobre a maldade do homem e penso que Macbeth estava certo: A vida é uma sombra errante, o homem é um ator tolo que grita e se exalta no palco da vida e seu discurso não significa nada! Já senti nas costas o peso de carregar uma doença indefinível e incurável cujo principal sintoma é a completa falta de ânimo. Senti na alma a amargura da rejeição, fui afligida pelo preconceito e pelo desprezo, mas superei cada um desses sentimentos, um a um. Quando uma alma passa por um processo doloroso, ela se torna distinta. O caráter pode seguir o rumo da perfídia, da injustiça e da maldade, ou colocar-se acima de tudo o que é mundano e, consequentemente, chegar ao nível da superação de si mesmo. Conheci bem de perto a face da maldade humana, de pessoas que se tornaram o seu pior, que se fizeram a custa do sofrimento dos outros, conheci bem isso tudo. Senti-me muitas vezes um ser descartável, um aborto que não deu certo. Cresci sem saber o que é ter um pai, sem saber o que é disciplina, sem conhecer limites. Sempre me senti um peso ao participar de festas alheias, onde eu visivelmente nunca fui bem vinda. Algumas vezes sentava-me à beira da calçada e me perguntava o que eu havia feito de errado para ser tão humilhada e tão ofendida. A resposta que me vinha à cabeça era sempre a mesma – nada. Hoje sei muito mais claramente o motivo – existir: Eu existo! Há algo mais condenável do que simplesmente existir? Fui arduamente lapidada pelo martelo da vida sob o sol escaldante que queima até o mais ínfimo desgosto; aprendi a desaprender a amar. Hoje mal sei a diferença entre os bons e os maus, pois tudo me parece indiferente. De Sísifo, tornei-me Epícuro – Minha missão penosa fez de meus tortuosos pensamentos uma lição de invalidez. Senti descontroladamente todas as comiserações do mundo para depois apagá-las uma por vez – ódio, medo arrependimento, solidão... Uma a uma, desvaneceu-se. Quis até mesmo dar cabo do mundo. Resisti. Temi. Hoje sei muito bem em que me transformei, “um monstro da escuridão e rutilância”... Vivi trancafiada em uma masmorra terrivelmente imunda e inundada de morbidez, limo e desconsolo. Concluí de toda a minha tenebrosa saga que se a felicidade realmente existe, ela não foi feita para mim. Mesmo assim sempre consegui muitas coisas. Meu rosto ainda não mostra rugas, mas me sinto já muito velha e cansada para fazer qualquer coisa. Mas o melhor de mim, sim o melhor de mim, é que eu nunca tive de derrubar ninguém, nunca humilhei e nem desprezei ninguém, realmente descobri que o melhor de mim é não me parecer em nada com vocês, seres humanos abomináveis que desafortunadamente fizeram parte da minha jornada. E saber disso transforma todo o caos de dentro de mim em pura felicidade e contemplação. Ademais, deve-se tomar muito cuidado, pois quem anda de cabeça muito erguida pode acabar pisando em merda!

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