Sobre as escolhas

Sem embasamento teórico algum, resolvi escrever um pouco sobre as nossas "escolhas". Procurei o termo "choice" em um dicionário de etimologia inglesa, o qual remete o termo ao verbo choose, derivado do Inglês Medieval chusen que por sua vez derivou-se do Anglo-Saxão Kiesen (lembra um pouco "querer", embora não haja referência latina). Antes do kiesen anglo-Saxão, a palavra veio do Moeso-Gótico kiusan. É muito provável que antes do Moeso-gótico, que é um dialeto datado mais ou menos do século IV (inspirado no alfabeto grego) a tal palavra já tenha sido falada por outros dialetos até chegar à versão atual, no entanto o meu dicionário se limitou ao séc. IV. Do Moeso-gótico, a palavra kiustan aliou-se ao latim: gustare. Nesse sentido, nossos amigos ingleses herdaram a palavra de uma forma bem diferente da que se originou em português, a qual acho muito mais coerente. Choice vem de gostar, um verbo de percepção. No português, a jornada da palavra derivada do verbo escolher vem do verbo latino excolliage (colher, recolher, obter); nota-se que o verbo não mais se refere aos sentidos, ao gostar, e sim a colheita, a recolher, catar o que há pela frente (um verbo material). Sabemos que as palavras do latim sempre tem uma origem material, para assim dar vazão a palavras abstratas, a verbos entre outros termos. Pode-se afirmar que escolha é o ato de colher o que está a sua frente, a safra da época, o que está disponível.  

Digo que o português parece mais coerente não apenas pelo simples fato de que a palavra originou-se de um verbo ou substantivo (colheita) material. Essa coerência que designo ao verbo latino é para mim mais relevante, pois não se pode escolher apenas aquilo que se gosta, apenas o que se tem disponível. Se no Brasil eu quiser comer cerejas, terei de trazê-las importadas, mas apenas poderei adquirí-las se possuir dinheiro. Ou seja, nem todo o gosto se pode transformar em escolha. Eu colho aquilo que me está às mãos, o que é possível. No plano dos desejos, posso planejar sim uma escolha que eu goste, mas planejamento, estratégia e "futuro" para muitos, soa distante difícil inacessível. Por isso o que há em mãos é o que se escolhe. É mais fácil.

Um pouco além da sabedoria das palavras e suas cargas semânticas (eu adoro esmiuçar a etimologia), quero propor a discussão de tal tema, o da escolha, num âmbito mais vivencial do que filosófico, embora espere que meus leitores, a posteriori, possam complementar o texto, faz-se clara a percepção de que nós nunca aprendemos a escolher verdadeiramente, apenas a colher o que se pode pegar. Quero dizer que vivemos, comemos, bebemos e nos vestimos de forma padronizada, embora achemos que, ao chegar em uma loja de SAPATOS (rs) temos tantas e tantas opções que mal sabemos o que levar. Quanta ilusão! O que esse sistema quer? que tenhamos cada vez mais e mais! um sapato de salto grosso entra na moda para o conforto da mulherada? ou será que o salto fino cai da moda para que compremos o outro, pois é a moda? Na próxima estação inventam o salto banana, o salto Luiz XV revisited, o salto plataforma, meia pata e lá se vai. E dentre esses sapatos, qual deles podemos escolher? Obviamente o que está na moda! logo, teremos um de cada tipo ou um de cada cor de cada tipo e assim vai.

Porque trocamos nossas televisões tubulares por plasmas e LCDS? São melhores? Ou a imagem parece melhor quando estamos na loja? Já compararam a durabilidade de ambas? qual tem a maior vida útil? E o mais irônico, o mais cômico são os comerciais de televisão nos dizendo sobre a reciclagem, sobre a preservação do meio ambiente. Como preservar o que já está depredado sem papar a roda capitalista?

Mais um pouquinho de consumismo, não quero ser redundante, mas vale a pena relembrar. Vocês que são maiores de 25 anos devem lembrar dos comerciais de cigarro. A escolha do cigarro era uma escolha de estilo de visa: Quem fumava free era o moderninho, o de bem com a vida. o marlboro era o cigarro se macho men; Hollywood o das estrelas. Uma escolha muitas vezes inconscientes. Eu sempre optava por cigarros mais "doideiras" estilo Lark, Pall Mall, e L&M...

Enfim, temos essa sensação de escolha e de liberdade, mas nosso sistema nos força a sermos todos iguais e uns mais iguais que os outros. Parecemos estar anos luz da idade média, pois hoje sabemos ler, escrever, mas o sistema requer essas habilidades apenas para desempenharmos nossos trabalhos. A cultura verdadeira ainda é reservada às elites. Quem aqui tem tempo de ler pilhas de livros em uma semana, sendo que chega tarde do trabalho e no outro dia acorda cedo? Além disso, quantos analfabetos funcionais você conhece? Não aqueles que apenas saber escrever os seus nomes, mas os que leem jornais e acreditam piamente na revista Veja ou no Estadão, aqueles que pensam que o que se veicula na mídia é a mais absoluta verdade, sem nenhum questionamento de base? Eu conheço vários, muitos mesmo até formados por faculdades... Enfim, que escolha temos a não sei fazer parte de uma máquina? Os fortes são os que conseguem manipular os fracos, mas até eles tem uma função social pré-determinada, como em um formigueiro gigante. Quem se atreveria tentar revolucionar alguma coisa hoje, em tempos de desilusão pós moderna? Depois de termos vistos tantos ideais derrubados, depois de holocaustos (não apenas o judeu), depois da passividade perante as tele telas (referência ao livro 1984 que aqui emprego para designar os nossos computadores e televisores, os quais estão nos vigiando também, os canais que mais assistimos, as páginas que mais acessamos...) Jogo aqui um pouco de minhas reflexões e espero que todos possam contrubuir e me ajudar a enxergar coisas mas óbvias que, por ventura, eu tenha me esquecido ou não tenha percebido.

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