Tempos de perda


A vida nada mais é do que uma fase que sucede a outra. Nós temos, desde crianças, a saber lidar com as perdas e aceitar o novo. Primeiro perdemos o aconchego e proteção do útero materno. Depois perdemos o seio que nos alimenta. perdemos as brincadeiras infantis, os professores da escola. Aí perdemos pessoas da nossa família que morrem, pessoas conhecidas que morrem, vizinhos que morrem. Perdemos os amigos que compartilharam nossa adolescência e por fim perdemos a inocência que não nos deixava ver esse mundo de perdas. Começamos, então a sentir. Perdemos nossas avós, perdemos nossas paixões e perdemos aquele amigo que pensamos ser a pessoa com quem teríamos vínculo até o fim de nossas vidas. A amarelinha na rua se torna um curso profissionalizante. O curso se torna um trabalho massante. Logo nos olhamos no espelho e vemos um rosto de vinte e poucos anos, ainda vívido, apesar de algumas perdas. É quando tentamos ganhar, e ao tentar ganhar, começamos a ver mais de perto as perdas. Aos trinta e poucos sentimos saudades das brincadeiras de rua, dos professores, da bagunça na sala. Aos quarenta nos vemos sem amigos, ou quase sem amigos. ninguém mais tem tempo para nada.


Aos quarenta olhamos com tristeza nossas outras idades, com remorso e saudade. Mas o pior acontece quando perdemos as esperanças. Não sei qual é a idade certa. Alguns perdem aos vinte, outros aos trinta, alguns aos quarenta, outros aos cinquenta, alguns nunca a perdem e vivem o futuro de uma ilusão. Perder a vontade, perder a esperança, perder a inocência são processos dolorosos, muito mais fácil seria perder tudo e como crianças, pegar outra coisa para levarmos à boca com avidez. Mas lá na perda da inocência é que o processo de desilusão se reforça, é lá que ele ganha sua monstruosidade inexorável. E perder a esperança é um tiro no peito. Mas perder a vontade é um tiro fatal.

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